Em julho de 2018, viajei para o Rio de Janeiro para estar com o Dr. Rodrigo Salles de Carvalho, que coordena o Programa de Conservação dos Saguis-da-serra (PCSS). O PCSS focou-se originalmente na conservação do sagui-da-serra-escuro (Callithrix aurita), mas o projeto agora foi expandido para incluir o sagui-da-serra (Callithrix flaviceps), uma vez que as ameaças que as duas espécies enfrentam são essencialmente as mesmas. Rodrigo monitora o estado das duas espécies e reporta ao ICMBio, a seção do Ministério do Meio Ambiente que é responsável pela conservação da biodiversidade no Brasil.
Como o nome do projeto sugere, os dois saguis em questão vêm de áreas montanhosas, uma serra que me deixou impressionado pela sua beleza quando passamos no dia seguinte à minha chegada ao aeroporto do Rio. A Serra dos Órgãos se elevavam acima de nós com enormes pináculos rochosos perfurando os remanescentes da floresta. Rodrigo me disse que o terreno é incrivelmente difícil de pesquisar e os saguis podem existir na floresta mesmo nessas altitudes elevadas.
O sagui-da-serra-escuro é encontrado apenas em áreas altas do sudeste do Brasil. Seu habitat foi severamente reduzido principalmente para pecuária. A floresta remanescente é fragmentada, com as suas maiores áreas aderindo às encostas próximas aos picos. Nós dirigimos subindo para as montanhas, parando várias vezes para ouvir os saguis. Nos últimos três anos, com um financiamento vital vindo do zoológico de Beauval (França) e da Associação Francesa dos Parques Zoológicos, Rodrigo tem procurado nestas montanhas os últimos grupos da espécie.
No entanto, estávamos em uma agenda apertada com uma semana concentrada e empolgante à nossa frente. Fomos de carro até o estado de Minas Gerais para nos encontrarmos com um proprietário de terra ansioso para começar a recuperar a natureza (fauna e flora) em vastas áreas de terras montanhosas que ele está comprando. Minas Gerais é o estado da mineração e da pecuária leiteira, então, como você pode imaginar, as florestas não se saíram muito bem. Em Minas está o Parque Estadual de Ibitipoca situado no alto de um topo de montanha conhecido por suas características geológicas e beleza natural. A terra ao redor do parque está sendo sistematicamente comprada por Renato Machado para criar uma grande reserva, a Reserva de Ibitipoca, vizinha ao Parque Estadual. A área é impressionante, com enormes montanhas e penhascos que se erguem das encostas arborizadas. Grandes áreas nas encostas mais baixas ficaram cobertas com arbustos, depois que o gado foi removido e a terra começou a se regenerar. Renato está incrivelmente entusiasmado em restaurar as florestas e os animais em uma área onde espécies maravilhosas, como o muriqui, a onça e a harpia já ocuparam a terra e, sem dúvida, também os pequenos saguis-da-serra-escuro habitaram em grande número.
Ficamos alguns dias na impressionante reserva e discutimos a criação de um centro de pesquisa e de reprodução de primatas, o que seria um ponto de partida para reintroduções. Renato já começou a construir um recinto para os muriquis, uma vez que atualmente apenas dois machos permanecem na área. Ele planeja trazer uma fêmea para reproduzi-los e depois gradualmente liberá-los na reserva. Este é um projeto verdadeiramente emocionante e esperamos que possamos começar a fazer o mesmo com C. aurita. A área tem um enorme potencial para atuar como um santuário para as espécies e esperamos trabalhar em estreita colaboração com a Reserva de Ibitipoca no futuro.
Depois de alguns dias na reserva, viajamos para a cidade de Viçosa para conversar com Fabiano terrenos da universidade com o plano de convertê-las em um centro especializado em pesquisa e reprodução do Callithrix aurita, o primeiro do gênero e muito necessário. A cidade de Viçosa está situada dentro da faixa de ocorrência da espécie e há algumas poucas populações remanescentes perto da universidade que, no entanto, estão ameaçados por saguis invasores: saguis trazidos de outras regiões que foram libertados e estão agora a espalhar-se por todo o habitat do Callithrix aurita e do C. flaviceps, expulsando-os do pouco que lhes resta e/ou hibridizando com eles, o que está causando um enorme problema.
Chegamos no final da tarde depois de uma longa viagem. A cidade e a universidade eram muito maiores do que eu pensava, encontramos Fabiano em um escritório em um labirinto de corredores. Ele trabalhou por muitos anos com os muriquis criticamente ameaçados na região e está muito interessado em estender seu trabalho para os saguis ameaçados, envolvendo-se em mais trabalhos de conservação com seu departamento e seu exército de estudantes muito entusiasmados.Melo, professor de primatologia que conseguiu assumir instalações de animais em desuso nos.
O novo centro de Viçosa terá vários papéis. Antes de mais nada, ele deverá aumentar a população dos saguis ameaçados, assim como realizará pesquisas vitais, já que muito pouco trabalho foi feito em cativeiro em ambas as espécies. Há grandes áreas de floresta nativa nos terrenos da universidade, que pareciam perfeitas para grupos livres de saguis nativos vagar livremente. O centro também funcionará como um ponto para onde indivíduos que foram resgatados de habitats ameaçados podem ser trazidos, avaliados e tratados antes de serem reintroduzidos em áreas mais seguras. Também será capaz de coordenar o manejo dos saguis nativos no habitat circundante, movendo os indivíduos para que a diversidade genética possa ser mantida na população fragmentada.
Gerenciar a espécie nesta paisagem com populações dispersas em minúsculos bolsões de floresta dentro de uma grande área será uma tarefa enorme nos próximos anos, e a crescente ameaça de saguis invasores que se hibridizam com os últimos grupos remanescentes de C. aurita fará esta tarefa ainda mais difícil. Mas nós temos que começar agora. Rodrigo foi um dos primeiros a alertar sobre a situação do sagui-da-serra-escuro e de sua provável extinção se nada fosse feito.
Há apenas três anos, não havia populações cativas sendo manejadas e nenhum plano de ação para a espécie, então muito foi alcançado em um curto período de tempo. Mas muito mais tem que ser feito se quisermos salvar este maravilhoso primata!
Ainda antes de meu retorno, viajamos novamente através das montanhas para a bela cidade de Nova Friburgo, uma cidade na Serra do Mar. Rodrigo esteve discutindo com Professor Pierre, um dos vereadores da cidade, sobre a possibilidade de separar uma área de terra nos arredores da cidade para criar uma área protegida para o Callithrix aurita. Durante seu trabalho de pesquisa na área, Rodrigo encontrou alguns C. aurita puros na floresta, longe de saguis invasores. Nessa região também conheceu Sônia e Aniceto, educadores que são grandes defensores da vida selvagem local.
Esse encontro casual acabou sendo muito benéfico para os saguis. De fato, no dia em que chegamos à cidade, os vereadores locais estavam votando a nova Lei Orgânica da cidade espelhados nos mais recentes e melhores estatutos das cidades sustentáveis do mundo.
Rodrigo havia me dito que íamos nos encontrar com o prefeito, com Sônia e Aniceto para agradecer-lhes por apoiar a criação da nova reserva e explicar como isso foi uma atitude tão inovadora, tanto protegendo uma espécie ameaçada, quanto protegendo a bacia hidrográfica da cidade e reduzindo o risco de deslizamentos de terra.
Quando aparecemos na Câmara de Vereadores, com a votação pública em pleno andamento, eu esperava que fôssemos encontrar o prefeito em alguma sala dos fundos, mas não - para meu horror, Rodrigo e eu fomos convocados para o púlpito, e então um microfone me foi dado, luzes e câmeras foram apontadas na minha direção, e Rodrigo disse: “Diga algumas coisas legais sobre o plano de fazer a reserva”.
Eu não estava esperando isso, como você pode ver na minha cara no clipe abaixo! (Eu começo a falar em cerca de 1.50.)
De qualquer forma, eu disse que achava que era uma decisão fantástica dos vereadores da cidade criar essa reserva, a primeira a ser criada para essa espécie.
Após este evento, fomos até a prefeitura para conversar com o assessor do prefeito e com o secretário do meio ambiente sobre os próximos passos para efetivamente iniciar a criação da reserva do C. aurita em Nova Friburgo e como iniciar um programa educacional nas escolas públicas locais.
No final nós saímos pora algumas cervejas para celebrar aquela noite. Vendo na minha breve visita todos os contatos e trabalhos que o Rodrigo conseguiu com muito poucos recursos e em tão pouco tempo foi incrível.
Comments